segunda-feira, 28 de junho de 2010

Alice no País das Maravilhas

Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

Alice's Adventures in Wonderland

Animação da Disney criada em 1951, é considerada hoje um dos maiores clássicos da Walt Disney. Baseado no livro homônimo de Lewis Carroll, o mesmo se baseou levemente em uma garota chamada Alice e na Inglaterra da época, que passava por mudanças drásticas com a industrialização e o nascimento da ‘modernidade’.

“Ai ai, é tão tarde que arde.”

Através de canções, Alice, uma típica garota da classe abastada inglesa, se mostra entediada e muito curiosa, coisas que não se encaixam no mundo em que vive. Então ela passa a desejar um mundo de absurdos, para sair daquela rotina certinha que lhe dava segurança, mas nenhum animo de viver. Ao cair no sono, ela entra nesse mundo de absurdos, que se mostra uma verdadeira crítica a sociedade existente naquela época. E começa correndo atrás de um coelho branco que vive olhando no relógio e reclamando que está atrasado sempre. Mostra assim o quanto a sociedade se preocupa com o tempo depois das novas ‘linhas de produção’ criadas pelas indústrias. O corre-corre é tanto que nem o que já havia sido feito é satisfatório e, assim, a saúde vai toda embora.

“Tudo pode se aprender entre as flores.”

O filme faz certa apologia à natureza. Mas a mesma possui uma personalidade típica da “high society” inglesa, rejeitando Alice por não ser da mesma espécie que as rosas são. Sr. Dodo, uma ave marinha, ganha representa os afobados navegantes que saíram em busca da ‘nova terra’. Tweedle-Dee e Tweedle-Dum são os gêmeos representantes da juventude inglesa: educados, mimados, carentes, manipuladores e infantis. A rainha vermelha é má e impiedosa, sendo mostrada como uma completa inútil e até desprovida de inteligência. Ela tem uma grande obsessão pelo poder, mesmo que ele seja inviável (como não para de repetir: “todos os caminhos são meus.”).

“Um bom desaniversário para nós.”

Além de ser uma crítica social da Inglaterra da época, Lewis usou momentos de sua própria vida. Por isso, a animação faz uma grande apologia a droga, muito presente na vida dele. A mudança constante na altura de Alice é um dos efeitos causados pelo ópio (muitíssimo usado naquela época). O gato de Chesmire seria a representação de uma ‘dor de cabeça’ que aparece e some toda hora, se mostra inconveniente e zomba sempre da pessoa. O chapeleiro louco é até uma representação fiel de um cavaleiro inglês da época: muitos enlouqueciam por causa do excesso de mercúrio usado para fazer os chapéus (e pelos mesmos serem apertados na cabeça). E por fim, a Lagarta que parece tão sábia, sempre falando calmamente frases de efeito, não larga por um segundo seu Narguilé.

“Se não fosse assim, tudo estaria bem.”

Além de personagens da época, mostrou alguns costumes, como o jogo de baralho e o de golfe, o chá que sempre acontece, mas nunca se bebe e o movimento de ‘contracultura’ (com o ‘desaniversário’) que nascia nas artes para combater o avanço industrial impiedoso com as pessoas. Mas é perceptível que Carroll não conseguiu achar uma solução para a mesma sociedade, apesar de criticá-la. Revertê-la transformaria o mundo em um País das Maravilhas, que não se mostrou tão maravilhoso assim. Sendo assim, Alice reconhece que ser mal-educada não leva a nada. E como redenção, descobre que tudo foi apenas um sonho.

“Cortem as Cabeças.”

domingo, 27 de junho de 2010

Plata Quemada


Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.



Filme argentino feito em 2000. Foi seleção oficial no Festival de Cannes e no de Toronto. Levou o prêmio Goya de “melhor filme estrangeiro” e o Glitter Awards no Gay Films Festival. Ganhou, também, o troféu de “melhor cinematografia” e “melhor som” no Festival de Havana. É baseada na história real dos assaltantes que aterrorizaram a Argentina e Uruguai em 1965.

“Você vive na cabeça, se converte nisso... em uma cabeça, um crânio.”

Nene, Angel e Fontana são os assaltantes do carro-forte que se revela um verdadeiro massacre. Tabaré é o cabeça da operação, usando o esquema de corrupção argentino a seu favor. Mas a operação era uma cilada e eles fogem, depois do massacre, com 7 milhões na bolsa. Para não serem pegos, saem de Buenos Aires e vão para Montevidéu e ficam escondidos semanas a fio a espera de documentos falsos que serão dados por Nando, um mafioso local.

“Cada um vai cuidar de si mesmo. É a melhor coisa.”

El Nene é a ovelha negra da família. Quando foi preso, aprendeu a ser inteligente, a usar drogas e se descobriu gay, apesar de ser claramente bissexual. Perfeitamente racional, é o oposto do emotivo Angel, seu parceiro, seu irmão, seu amor, sua verdadeira família. Angel é o supersticioso, infantil e religioso fanático que ouve vozes e mergulha em uma culpa por ser bandido e homossexual. Fontana é o divertido motorista do grupo. Sempre jovial e animado, só pensa em mulher e dinheiro, como qualquer garoto jovem. Dentro do apartamento, Angel e Nene entram em uma crise tão forte que chegam a não se falar mais. Enquanto Angel fica aprendendo inglês (para consumar o seu sonho de ir morar em Nova York) e rezando para se afastar das tentações (sendo Nene uma delas), Nene anda pela cidade, conhecendo homens em cinemas e banheiros até o momento em que conhece Gisele.

“Às vezes acho que sou uma dessas vozes.”
Enquanto Angel refugia-se nas drogas e no isolamento. Nene passa a conhecer um novo amor: Gisele. Ela se mostra aberta e compreensiva e ele descarrega toda sua dor ao mesmo tempo que transam sem parar. Nesse momento, Nando é preso e Tabaré vai embora com sua parte do dinheiro. É ai que os personagens selam seus destinos. Nene decide fugir com Gisele depois de Angel descobrir sua traição e se fechar mais. Fontana, em vez de ir embora sozinho, fica com eles. Quando saem do apartamento para fugir, Angel atira em um policial e Nene se vê obrigado a levá-los para o apartamento de Gisele.

“Não se deixe matar. Não vale a pena.”

O conflito religioso de Angel se mostra completamente incoerente ao mostrar o ciúme que o mesmo sente por Nene. Gisele, sabendo (e sofrendo) que ama um homem que ama OUTRO homem, lança a carta final: pede para que Nene escolha um deles. E Nene escolhe Angel, jogando a para fora de casa. Rejeitada, ela chama a policia, que os cerca com dezenas de policiais.

“Vou morrer rico.”

Resolvendo entrarem em um confronto armado, o apartamento é completamente baleado e eles tentam resistir ao máximo. Na primeira tentativa de sair do apartamento, Fontana morre. E morre feliz, por ser rico e ter “comido” o maior número de mulheres que pôde. Ao entenderem que finalmente não há uma saída, o que havia quebrado entre os amantes se recuperou e as vozes de Angel se calam. Finalmente eles se entendem e aceitam o amor que um sente pelo outro. Para que os policiais não ganhem, eles queimam o dinheiro todo e se entregam. Entregam-se para a morte, sendo completamente aniquilados pelos policiais.

“A gente chegou perto.”

terça-feira, 22 de junho de 2010

Pontes de Madison


Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

The Bridges of Madison County
Filme estadunidense de 1995, dirigido e protagonizado por Clint Eastwood. Mostra a história real da dona de casa italiana Francesca, casada e com dois filhos, que mora em uma fazenda em Madison. Depois de sua morte, ela revela aos seus filhos o grande amor da sua vida, o qual teve contato físico por apenas quatro dias. Ele se chamava Robert e era um fotografo da National Geograph a procura das pontes cobertas que existiam na cidade. Sendo um romance detalhista, conta a história real de um amor impossível, sem cair na pieguice ou no conceito de “Romeu e Julieta”.

“Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram, mas foi bom tê-los.”

O principal foco do filme é o amor de mãe que Francesca nutria, capaz de fazê-la sacrificar seu grande amor, mesmo sabendo que iria sofrer para sempre. Por ser uma família rural, a tendência de ser moralista é enorme e o filme mostra como esse moralismo pode modificar as relações entre as pessoas. Os filhos, ao conversar sobre a morte da mãe, não mostram nenhuma tristeza profunda, apenas se preocupando com o que ficou da vida dela para eles.

“Eu agia como outra mulher.”

Ao descobrirem as cartas de amor entre a Francesca e Robert, os filhos entram num conflito interno. Não sabiam se deviam respeitar e entender a mãe, ou rejeitá-la como a adúltera que foi em vida. Como os valores de família e os de casamento eram considerados importantíssimos, não era inesperado que o pai lhes fosse mais presente e importante na vida deles. Logo, ao descobrirem uma falta de respeito dessas, a mãe ficaria para trás. Esse pensamento funcionou até o momento em que eles começaram a se enxergar no lugar da mãe. Começaram a rever seus próprios casamentos, que são falhos. Até por que conseguiram finalmente enxergar que, acima da traição, a mãe abandonou tudo (emprego próprio, cidade natal [Bari, Nápoles], amor verdadeiro, aventuras) que ela poderia ter para construir a tal família. Até que chega um momento em que os próprios filhos passam a se sentir mal por não ter a coragem que ela teve.

“Sentir-se só faz parte. Sentir medo faz parte.”

Voltando para o passado em que Francesca conheceu Robert, esse encontro aconteceu devido a uma viagem de sua família e à desorientação do fotografo, que não conseguia achar as tais pontes. Essa viagem familiar funcionou como uma terapia de liberdade e bem-estar para Francesca. Podendo ficar a vontade em casa, ouvir a música que gosta e se apreciar melhor e com mais calma. É importante perceber como ela se transformou, antes era uma mulher quieta e singela, mas apagada diante a vida que escolheu, depois é uma mulher que liberta seu erotismo e emana certa felicidade interior.

“É triste morrer como uma desconhecida para quem mais se ama.”

Robert se mostra um cara solitário e aventureiro. Rodando o mundo e acostumado a seus relacionamentos rápidos e intensos, se surpreende ao perceber que começa a amar Francesca. Eles chegam até a entrar em um conflito, no qual Francesca não sabia se ela era apenas mais um relacionamento temporário “normal” para Robert ou se era algo mais.

“Eu não sei se consigo fazer isso... Espremer uma vida inteira entre hoje e sexta.”

Talvez o ápice do relacionamento deles se encontre quando eles percebem um único fato: o amor era impossível. Se eles ficassem mais tempo juntos, o peso do escândalo, do fracasso familiar e das cobranças iria minar todo aquele amor que um nutria pelo outro. Então preferiram transformar esses quatro dias em um conto de fadas.

“Deixei a minha vida para a família. Quero deixar a minha morte para Robert.”

Na indecisão de ir embora, Francesca decide ficar com a família. A segurança do lar e o respeito de seus filhos lhe foram mais importantes do que sua felicidade e seu amor. No último momento, sentindo o peso de sua escolha, ela pode ver seu amor indo embora para todo o sempre. E o engraçado é que o amor entre eles não havia acabado até a morte dela. Quando seu marido morre (bem antes dela mesma morrer), ela tenta retomar o contato com Robert, mas em pouco tempo depois, ele também morre (e deixa tudo que ele tinha de herança para ela). O amor nunca foi tão impossível de se concretizar. Da mesma forma que Robert, ela pede para ser cremada e que as cinzas sejam jogadas na tal ponte em Madison que ela concretizou seu amor pelo fotógrafo. Felizmente seus filhos cumprem com seus desejos.

“Você nunca imagina que um amor assim aconteceria contigo. Mas, agora que aconteceu, quero ficar com ele para sempre. Quero amá-lo do jeito que amo agora toda a minha vida. Entretanto, se formos embora, perdemos tudo. Não tem como fazer sumir uma vida e criar outra nova. Ó me resta tentar me agarrar a nós em algum lugar dentro de mim. Ajude-me.”

domingo, 13 de junho de 2010

Desejo e Obsessão

Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

Trouble Every Day
Foi lançado em 2003 que pela França, Alemanha e Japão. Dirigido por Claire Denis, o filme chamou atenção pela marca pessoal dela ao produzi-lo de forma tão peculiar. O roteiro fragmentado, a falta de dialogo, as ações rápidas e diretas e o culto ao corpo humano são característicasque lhe encaixa no conceito de um “filme de diretor”. Bastante polêmico, fez parte da seleção oficial no Festival de Cannes.

No geral, o filme se mostra mais como uma ficção científica do que um drama (que é o seu gênero oficial). Shane e Coré foram acometidos por uma doença que aumentam sua libido e os dá desejos de morder e rasgar a pessoa com quem está se envolvendo sexualmente. Mas os dois agem de forma diferente. Enquanto Coré se entrega completamente à sua loucura sensual, Shane corre atrás de uma cura enquanto pode.

Nas aparências, Shane e June são apenas um casal em lua de mel em Paris. Demonstram afetos em público e parecem felizes. Ledo engano. Entre as quatro paredes, não há uma real intimidade e Shane faz de tudo para não se relacionar com June, preferindo se masturbar. Ela não entende o porquê disso e passa a se frustrar cada vez mais, enquanto Shane só quer a proteger da doença (que, logicamente, não contou para ela que a tinha).

Coré e casada com o médico Léo Semenau, responsável pela doença que a tortura. Expulso da comunidade científica, passa a trabalhar em casa, podendo assim prestar mais atenção em sua mulher. Ela, quando pode, foge da casa e encontra um caminhoneiro, que quer transar com ela e acaba por ser devorado pela mesma. Léo, ao encontrá-la sobre o corpo de seu amante, a tranca no próprio quarto.

Num passado, Shane e Léo trabalharam juntos. Eles produziram um remédio que provocou a tal doença, mas Shane, que mantinha um caso extraconjugal com Coré, que decide testar o remédio em si mesmo (e acaba passando para a mulher de Léo). Depois disso, todos se afastam sofrendo suas próprias consequências.

É perceptível que os valores morais passam quase que despercebidos. O médico prefere prender sua mulher em casa ao invés de lidar com as mortes que ela causa (e pode vir a causar). Shane não se culpa por trair e continuar traindo. E a empregada do hotel é cleptomaníaca e se mostra atraída por um homem casado (o próprio Shane).

O conflito, que acontece mais para o final do filme, acontece quando Coré se liberta do quarto quando dois jovens entram clandestinamente na casa e um se mostra atraído por ela. Enquanto ela devora o rosto desse jovem, o outro foge. Nesse momento, a câmera consegue captar o auge da loucura de Coré, no qual tudo que havia de humano já tinha sumido. Shane aparece na casa e vê toda aquela barbárie. Assim, ele a estrangula até que ela morra. Talvez ele tenha feito isso por ter certa moral e não aceitar que alguém assim viva, ou talvez ele simplesmente não aceitasse aquilo que seria o seu provável futuro: se transformar num verdadeiro animal. Por fim ele vai embora e, enquanto a casa se corrompe em chamas, Léo aparece e percebe que sua amada esposa havia morrido. Provavelmente ele permaneceu na casa. Se ele saísse, teria muito que explicar.

E meio a tanta tensão, surge em cena algo inexplicavelmente suave e inocente: um filhote de cachorro. Esse filhote rouba toda a dor que o filme transpassa e dar um ar de esperança ao personagem principal e até mesmo ao espectador. Parece até ironia ao mostrar traços de humanidade em um animal enquanto os seres humanos passam a ser desumanizados. Mas também há duas mulheres no filme que se mostram inocentes (apesar de seus defeitos): June e a copeira. Porém, um final trágico reserva as duas.

Shane, ao voltar para o hotel, sente o cheiro da copeira em sua cama e decide ir atrás dela. Talvez todo o massacre na casa de Coré tenha ativado de uma vez por todas o lado sexual e animalesco que estava escondido nele. Ao se encontrarem, ele não se contém e faz sexo com ela, mesmo havendo uma resistência da parte dela. Se contendo menos ainda, começa a devorá-la, rasgando suas genitais e seu rosto, terminando por matá-la. Ao voltar para seu quarto, entra no banho, eliminando os vestígios de sua primeira caçada. Quando June o encontra e o abraça no banheiro, ela vê um fiapo de sangue e finalmente entende o seu futuro. E ele não lhe é nada agradável.

Trazendo mais revelações do que aberrações, o filme se mostra um verdadeiro estudo físico (e até psicológico) do corpo humano. Há uma grande reflexão sobre a lenta mudança do homem que chega ao nível animal. A fotografia “viva” do filme surpreende com a tomada próxima do corpo e chega a uma conclusão: nós somos somente carne, nada mais do que uma suculenta carne.

obs: Esse filme não faz parte da minha coleção de dvds. Foi feito principalmente para o segmento "cinema de choque" do Cineclube Iesb.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Veronika decide morrer


Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

Veronika decides to die
Filme estadunidense de 2009 baseado no best-seller homônimo de Paulo Coelho. Sendo o primeiro filme de um dos seus livros, Hollywood conseguiu retratá-lo maravilhosamente bem, mantendo a essência sem se perder na ‘auto-ajuda’.

“E vou viver o resto dos meus dias ás vezes desejando que meus filhos tivessem a vida que eu não tive e ás vezes feliz por suas vidas se tornarem reprises da minha.”

O filme retrata as agonias de uma jovem mulher que possui uma vida arranjada e calma. Mora num bom apartamento, tem um bom emprego e é bonita. Mas para ela isso não basta e até lhe causa certo desconforto. Saber como será a vida daqui a 20 anos não lhe é nada agradável. Essa rotina é que lhe faz mal. Muito mal.

“Se você fechar a porta, a noite pode durar para sempre.”

Nessa vida que, exteriormente, se mostra agradável, interiormente, se mostra um inferno. Assim, decide se matar engolindo vários remédios ao mesmo tempo. A sua vontade de se matar é um ato tão simples, sincero e bem-vindo, que ela não tem nem o que dizer em uma carta de despedida. Não há saudade e nem arrependimento. Ela quer simplesmente ir. Só que ela é socorrida. E acaba indo parar no hospício.

“Aprenda a pensar como as pessoas ao seu redor e poderá se fazer passar por qualquer coisa.”

Antes de desmaiar no chão, ela acaba desabafando ao criticar a indústria da moda por dizer que o “Verde é o novo preto”. Para era, as pessoas deviam parar de preencher suas vidas vazias com futilidades que as tornam mais vazias. Elas deviam acordar e ver a loucura que o mundo tinha se tornado. Mas ao acordar no hospício, ela acaba por conhecer uma história. No qual um rei havia preferido enlouquecer com seus súditos a se desfazer dos loucos. Afinal, quem pode dizer que alguém é normal. Não somos todos loucos?

“Acha que as pessoas lá fora são menos loucas que nós?”

Por causa dos remédios, que lhe causaram uma lesão no coração, Veronika descobre que só terá mais uma semana de vida. Essa é a maior ironia do filme. E é nos sentimentos desse acontecimento que se baseia toda essa história.

“Realidade é aquilo que a maioria considera verdadeira.”

Criando um espaço tempo suficiente para decidir o que fazer da vida, muitas coisas se tornam claras. Primeiro, ao conversar com seu doutor, ela descobre que a necessidade de ser feliz é algo criado pela sociedade. E que a falta dessa felicidade nos tornam fracassados, por isso nos tornamos mais infelizes. Segundo, ela conversa com os pais e percebe a extrema frieza e distancia que existe entre eles. Não lhes importam o que ela quer, mas sim o que ela pode ser. Então, ao invés de encarar a tentativa de suicídio como um aviso para que melhore o relacionamento, eles se afastam mais dela, sentindo vergonha e incredulidade.

“Eu poderia me apaixonar por você agora. E você não diria nada. Mas está tudo bem.”

A depressão de Veronika começa a diminuir quando um novo amor entra na vida dela. Edward, um rapaz bonito, mas anti-social, se interessa por ela e pela sua música. Ao vê-la tocar piano todas as noites, nasce um amor entre eles. Ele estava no hospício por se achar culpado pelo acidente de carro que matou sua namorada, mas passou a se recuperar quando percebeu que Veronika conhecia a vida e as decepções dela. Assim, os dois fogem do hospício e nasce uma vontade de viver que não havia antes, aproveitando todo o tempo que lhes restam juntos.

“Não deveria deixar essa vida sem saber onde pode chegar.”

O médico entra em cena de novo para informar à sua parceira filosofia (outra paciente do hospício) que Veronika não irá morrer. Ele havia lhe dado o maior remédio de todos: a consciência da vida, fazendo com que cada dia para ela fosse considerado um milagre. Esse médico se demite ao passo sua parceira é liberada e que Veronika foge com Edward. É como se aquele lugar se tornasse

sábado, 5 de junho de 2010

Tropa de elite

Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.


Filme brasileiro dirigido por José Padilha. Foi lançado em 2007 nos cinemas, mas os DVDs piratas já haviam vendido o filme anteriormente. Incrivelmente, a pirataria ajudou na publicidade do filme, fazendo com que lotasse os cinemas. Ganhou o Urso de Ouro no Festival de Veneza e levou o “melhor filme”, “melhor ator”, “melhor ator coadjuvante”, “melhor maquiagem”, “melhor efeito especial”, “melhor fotografia”, “melhor som”, “melhor montagem” e “melhor longa-metragem nacional” no Grande Prêmio Vivo do Cinema Brasileiro. Retratando bem a violência urbana, o tráfico de drogas e a corrupção do Rio de Janeiro, teve seu diferencial ao mostrar o lado humano dos policiais e o caos que é o poder público.

“Tropa de elite, osso duro de roer. Pega um, pega geral. Também vai pegar você.”

Esse filme afirma o caráter de cinema brasileiro: frio, cruel, simplista e vingativo. O homem é regido pelo meio em que ele vive. Com uma alta crítica à sociedade brasileira, chamando a atenção para a alarmante desigualdade social, o filme passa certa sensação de desesperança. É como se o submundo estivesse descontrolado, explodindo na capital carioca. Isso é perceptível principalmente quando ele fala que há 700 favelas, quase todas dominadas por traficantes armados. Como lutar contra algo tão grande e que se continua se expandido?

“Policial tem família, amigo. Policial também tem medo de morrer.”

Poucos pensam no sofrimento dos policiais. Como muitos são corruptos (até por uma questão de sobrevivência), acabam recebendo o desprezo público. Unindo o estresse diário, os salários mal pagos, a falta de treinamento e a falta de privilégios (que fazem parte até dos direitos de um trabalhador, como férias, por exemplo) a chance de que a policia seja corrupta e cruel se torna mais provável. Tanto que hoje é sabido que a polícia convencional é incapaz de lidar com o tráfico.

“Policial tem que escolher: ou se corrompe, ou omite, ou vai para a guerra.”

Se corrompendo, a policia consegue ter uma boa renda financeira. Afinal, subir o morro por pouco dinheiro, correndo risco de morte se torna um peso menor quando se tem um esquema com o dono do morro. Há também outros esquemas de propina, no qual incluem multas de transito, puteiros e jogos ilegais. Omitindo, a policia fecha os olhos para o crime, tornando-a incapaz de conhecer os limites da ilegalidade. Estando acima da lei, acabam por se tornar mais perigosos e até a prejudicar as próprias operações policiais. Como foi mostrado na cena que num confronto entre a policia e os traficantes, os policiais começaram a atirar entre si (por um ter pegado o ponto do outro). E ao denunciar todo o esquema, além de não conseguir um resultado satisfatório, sofre represálias que o podem levar à morte. Indo para guerra, você fica na linha de fogo constantemente, reprimindo todas as emoções possíveis. Que não for bem treinado morre rápido.

“Estratégia só tem lógica quando a operação tem sentido.”

Um dos principais pontos do filme é a visita do Papa ao Rio de Janeira. Em um ato extremamente simbólico, o Papa decide dormir na favela do Turano. Seria bonito, se não custassem vidas. Os policiais passam a invadir cada vez mais o morro, nas quais morrem pessoas de todos os lados. Tudo apenas para que o Papa possa dormir lá sem levar uma bala perdida.

“A hierarquia protege os corruptos.”

Há também uma perceptível luta entre os estudantes e a polícia. Eles encaram os policiais como verdadeiros assassinos, desumanos e corruptos. Os policiais acreditam que a culpa de todo o trafico de drogas vem dos jovens q compram e vendem por diversão com o dinheiro dos pais ricos. Chega a ser irônico, ao ver estudantes completamente envolvidos com a droga, mas também preocupados em criar uma ONG para cuidar de crianças carentes. E ao mesmo tempo, essa ironia é complementar. Não haveria como criar uma ONG se não houvesse um acordo com o dono do morro, que dá as drogas aos jovens para que eles possam vender e assim o traficante ganhar dinheiro. Então a policia, para conseguir o que quer, tortura qualquer um, numa clara amostra de que “os fins justificam os meios”.É interessante ver também o uso da filosofia de Foucault, um dos pensadores mais importantes da escola de Frankfurt.

“Para mim, missão dada é missão cumprida.”

BOPE é o Batalhão de Operações Policiais Especiais. São conhecidos como a Tropa de Elite da Policia Militar do Rio de Janeiro. Eles têm como principal inimigo os policiais corruptos e são responsáveis por intervir quando a policia convencional não consegue resolver uma situação. Altamente respeitados e perigosos, possuem uma vida muito estressante e suas emoções praticamente são desligadas. Capitão Nascimento, personagem do ator Wagner Moura, é o principal PM do filme. Ele tem mulher e seu filho acaba de nascer. Na dificuldade constante de separar o trabalho da família. Acaba por tratar sua mulher mal e então resolve arranjar um substituto para ele. Entre os substitutos estão Neto e Matias.

“Pede para sair.”

Na polícia convencional, Matias e Neto bolaram alguns esquemas que jogaram o sistema (de corrupção) contra o próprio sistema. Isso fez com que eles e seu chefe, o corrupto Capitão Fábio, ficassem marcados na polícia. É ai que eles decidem fazer o curso do BOPE. O curso faz o uso de extrema violência, privação de sono e de fome. Aprendem a ser calmos e a fazer uso da estratégia. E, principalmente, aprendem a lidar com a humilhação e pressão. Os primeiros a saírem do curso são os corruptos. Nisso, cria-se uma tropa quase que pura, que se tratam como uma verdadeira família.

“No BOPE, nego dividido não se cria.”

Matias e Neto são dois amigos que moram juntos. O primeiro é inteligente. Faz faculdade e era o que mais possuía escrúpulos. No fundo, tinha esperança que poderia ser policial e advogado ao mesmo tempo. Arranja uma namorada (Maria) que é completamente envolvida com o trafico de drogas e a ONG. Por sorte, ela é a única estudante que sobrevive quando os traficantes massacram a ONG. O segundo é um verdadeiro policial, com um bom coração, mas forte o suficiente para enfrentar a guerra, só tem um problema. Costuma ser impetuoso. Age muitas vezes sem pensar e acaba se encrencando. A ironia é que ele foi morto por engano pelos traficantes. Eles sabiam que Matias estava querendo encrencar o negocio deles e foram encontrá-lo para matá-lo. Neto foi no lugar e acabou morto. Após a morte de Neto, Matias acaba com todos seus escrúpulos e se torna num policial sangue frio, sendo o escolhido por Nascimento para substituí-lo.

“Homem de preto, o que é que você faz? Eu faço coisas que assustam Satanás.”

“Homem de preto, qual é a sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão.”

terça-feira, 1 de junho de 2010

Carandiru

Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

Filme brasileiro de 2003 baseado em fatos reais. Esses fatos foram publicados em um livro chamado Estação Carandiru de Dráuzio Varela. No Grande Prêmio Brasil levou o “melhor roteiro adaptado” e “melhor diretor” que é o Hector Babenco, que possui certa fama internacional.

“Já falei, não tem ninguém me esperando lá fora. Não tenho pressa para sair.”

Carandiru é o nome do bairro onde fica a Casa de Detenção de São Paulo. Poucos sabem que na década de 20, essa prisão foi considerada como uma das melhores do mundo (na qual havia até mesmo aulas para os detentos). Era a maior cadeia da América Latina, cabendo até quatro mil detentos. O filme a retrata nos anos 90, com até oito mil detentos espremidos em uma cadeia considerada como uma das mais desumanas do mundo. Dráuzio Varela entrou na prisão como o médico responsável por informar e amenizar a pré-epidemia de AIDS que começava a ser gerada dentro da prisão.

“Eles são os donos da cadeia, doutor. Isso aqui só não explode porque eles não querem.”

Em meio a superlotação e abandono completo do conforto e higiene, os detentos passam a comandar internamente a cadeia obtendo até um acordo com as autoridades da cadeia. Nesse acordo, as autoridades não interfeririam na vida dos detentos desde que eles não criassem um problema no exterior. Pouco faltava para que acontecesse uma tragédia. Então fazia parte da vida diária do presidiário a violência extrema, comércio de drogas (e outras coisas), falta de policiamento e níveis epidêmicos de falta de saúde.

“Sem chance.”

Num ambiente desses, logicamente não há uma reforma educacional. Os estupradores são parte da pior estipe, poucos vivem. Há um setor que serve exatamente para os detentos que tem medo de morrer. Nesse setor, superlotado, não há sol. Isso conclui que os detentos preferem viver em condições subumanas para evitar a morte certa. Os detentos se mostram muito sinceros, falando de seus crimes sem arrependimento. O médico se mostra sempre neutro e sorridente. E as autoridades se mostram consoladas. Tudo vive numa perfeita harmonia. Esse é o problema do filme. O conflito só se mostrou no momento da rebelião, sendo que essa não era a realidade. Por ser um filme feito sob a visão dos detentos (com um espetacular manejo de flashbacks que mostram as vidas dos detentos antes de entrarem no Carandiru), os crimes são sempre justificados, mas isso não explica a falta de humanidade gerada nas pessoas. Homossexualismo é cômico, as drogas são permitidas (seguindo aquela linha de pensamento que o consumo de drogas é conseqüência, então deve haver uma reforma para que não se droguem; mas como não há essa reforma, fica tudo parado) e a polícia é implacável, com um caráter quase psicótico (frio e agressivo).

“Culpa tem remédio, doutor?”

É interessante ver outros aspectos da vida dos detentos. O sofrimento dos familiares se mostra tão grande quanto a agonia dos que estão dentro da cadeia. Pessoas jovens, bonitas, cultas e tranqüilas também são capazes de cometer crimes e não são poupados dentro da cadeia. Entre os próprios detentos, há uma falta de piedade e mostra a paranóia que a droga é capaz de gerar. A religião se mostra sempre presente, mas ao mesmo tempo, é algo morto, que não é capaz de salvar ou, ao menos, interfere na vida dos detentos. No final das contas, os presos são visto como verdadeiras caricaturas da sociedade brasileira (tão diversificada quanto ela é). Inclusive, é perceptível uso de grande quantidade de estrelas cinematográficas brasileiras (entre eles estão: Wagner Moura, Rita Cadilac, Rodrigo Santoro, Caio Blat, Lázaro Ramos, etc.).

“Havia duas escolhas: esquecer ou voltar.”

Não há uma real vontade de sair da cadeia, sendo que muitos preferem permanecer por lá. Possuindo o controle absoluto do local onde vivem podem cozinhar, ver TV e até se drogar em suas celas (cobrando aluguel para dormir lá, é claro). A rebelião aconteceu no dia 2 de outubro de 1992. Apesar de muitos acharem que o filme mostra q a rebelião aconteceu por causa de uma cueca pendurada no varal, não é isso que realmente mostra. O estopim é gerado quando a tensão entre os detentos se torna insuportável, tanto que nem uma cueca em um varal diferente pode ser tolerada. Sabendo que já há uma falta de condições humanas para se viver lá, os prisioneiros se uniram contra as autoridades, gritando e aclamando ao mundo por uma ajuda. Com a mesma falta de tolerância que houve entre eles, a policia civil entra na casa de detenção e mata por volta de 111 detentos, mesmo com eles terem se desfeito de muitas armas (sendo a maioria delas apenas armas brancas). O horror gerado foi tão grande que o fato rodou o mundo inteiro e a opinião pública se tornou insustentável, levando à única solução possível: a demolição da cadeia (que ocorreu em 2002).

“O senhor quer ouvir outra mentira? Aqui ninguém é culpado. O senhor não percebeu isso?”