segunda-feira, 24 de maio de 2010

Laranja Mecânica

Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

Clockwork Orange
Filme inglês de 1971 considerado como um dos maiores clássicos de todos os tempos. Apesar de ter recebido 14 indicações que englobam o Oscar, Globo de Ouro e BAFTA, só recebeu os prêmios de New York Films Critics Awards (“melhor filme” e “melhor diretor”). O filme gerou tanta polêmica por sua violência que o diretor, Stanley Kubrick, altamente reconhecido no mundo cinematográfico, proibiu que o filme fosse rodado na Inglaterra (país onde o próprio filme foi produzido) até a data de sua própria morte (que aconteceu em 1999) por causa do grande número de críticas. Apesar de não ter sido bem recebido nas grandes academias, levou o Prêmio Pasinetti do Festival de Veneza, Golden Spotlight da Alemanha e o Prêmio Especial Union de La Critique Cinemathographique da Bélgica, mostrando o quão popular ele se tornou.

“O mundo é fedorento? O que há de tão fedorento nele?”

O filme se passa em uma Inglaterra futurista que possuem defeitos e problemas que remontam o passado e os dias atuais. O grande realismo do filme se encontra nos atos da gangue de Alex DeLarge, que possui verdadeiros traços de psicopata, batendo e estuprando quem vê pela frente. Há até uma brincadeira no nome de Alex, que em latim, A-lex significa ‘sem lei’. Outro detalhe interessante é que a linguagem que Alex usa para falar é uma união entre o inglês, o russo e suas gírias. Detalhe: esse filme foi produzido no auge da Guerra Fria.

“Cantando na chuva. Só cantando na chuva. Que sensação gloriosa. Estou feliz de novo.”

É perceptível que, o tempo todo, o filme tenta unir o clássico sagrado ao moderno pagão. Principalmente quando acontecem as cenas de estupro: uma das mulheres é estuprada num teatro clássico abandonado por uma gangue inimiga da de Alex; Alex estupra outra cantando “Singing in the rain”, musica conhecida pelo musical clássico de Gene Kelly (Cantando na chuva). Mas talvez, cena mais simbólica esteja na briga entre Alex e a “mulher dos gatos” (como foi chamada pela mídia). Nessa cena, Alex usa uma estatua de um grande pênis para matar a tal mulher, que usava como arma um busto de algum artista clássico (desconfio seriamente que seja o Beethoven). Detalhe: ela considerava o tal pênis uma obra de arte, enquanto nem pensou duas vezes ao usar o busto como arma. A religião também é mal vista no filme, sendo usada como apenas uma arma para sair mais rapidamente da prisão (ela é constantemente debochada pelos personagens do filme). Num momento do filme até aparece uma imagem de Jesus que, na posição colocada, parecia estar dançando ao som de alguma música pagã. É importante lembrar que, mesmo para um delinquente como Alex, a música clássica faz parte de sua vida: Beethoven.

“É muito legal, bom para rir e liberar a velha ultra violência.”

A sociedade, por suas inovações tecnológicas, começa a se mostrar vazia. Suas vítimas já não são mais integras. Todos têm seus defeitos e todos têm seus motivos. Nisso, a juventude passa a ser cada vez mais sádica e o crime passa a ser visto como uma obra de arte. Alex vem de uma família endinheirada, mas seus pais só pensam em si mesmos e só se voltam para o filho quando surge um peso na consciência. Não haveria uma vontade própria ou um amor. Essa é a maior marca de Kubrick: retratar a frieza humana. O luxo aparece constantemente sujo e abandonado. Todos que se dizem salvadores pensam em seus próprios prazeres (como é o caso do consultor pós-correcional que quer apenas ter relações sexuais com Alex). A sensação de desesperança e o humor negro aumentam, principalmente ao lembrar que a sociedade está mais preocupada em mandar o homem para lua do que cuidar dos que ficam aqui. No final, tomamos a conclusão que a violência vem da própria sociedade. E que criamos os monstros que depois queremos jogar fora, quando nos dão problemas. Não há outra forma de satirizar a sociedade moderna de maneira mais clara que Kubrick satirizou.

“Videie bem, irmãozinho, videie bem.”

Alex, para se mostrar um grande líder, pratica a violência até com a sua própria gangue. Cansados desse tipo de tratamento, a gangue o trai e ele vai preso. Mostrando a sua grande inteligência, Alex se mostra como um prisioneiro modelo, se tornando religioso e obedecendo as ordens sem pestanejar. Para sair mais rapidamente da cadeia, aceita passar pelo “Projeto Ludovico” que seria nada mais que uma pura lavagem cerebral. Essa lavagem modificaria todo seu ser e o obrigaria a ser bom na sociedade. Apesar de tudo, ele não se arrepende por ter matado a mulher e, curiosamente, durante a prisão, ele usa um bracelete muito parecido com os que os judeus usavam durante o Nazismo alemão (o principal guarda também lembrava fisicamente o Hitler e todos os prisioneiros são chamados pelo número, assim como nos campos de concentração nazistas).

“Quando um homem não pode escolher, ele deixa de ser homem.”

A maior critica a lavagem cerebral não era nem a desumanização (isso só acontece depois que mostra como Alex não recuperou realmente), mas sim o fato de que seria injusto transformar o mal no bem, afinal, se eles fizeram o mal, devem ser punidos por eles, e não reabilitados. A pessoa que dá a chance dele ser reintegrado na sociedade depois da “cura” seria o Ministro do Interior (que pensa somente em sua campanha eleitoral). O mesmo seria responsável pela manutenção da delinquência de Alex no final do filme, quando a verdade cura está em poder voltar a fazer suas próprias escolhas, se livrando da tal lavagem cerebral. Nessa lavagem, seria passada uma grande quantidade de imagens voltadas à violência e ao estupro. Alex as veria tanto que qualquer pensamento sobre elas o traria um enjôo extremo. O único problema é que a trilha sonora das imagens era o próprio Beethoven, fazendo com que ele sentisse a mesma coisa que ele sente quando vê as imagens.

O título ‘Laranja mecânica’ pode ter vários significados. A laranja seria um mecanismo natural perfeito, que possui vida no seu suco. Quando ela se torna mecânica, todo aquele organismo passa a ser um objeto controlado pela sociedade. Esse objeto seria controlado desde sua criação, o que o tornaria facilmente manipulável. Há também uma brincadeira entre a palavra orange (laranja) e orangotang (primata que chega o mais próximo do primata que designou o homem). Como conclusão, o título mostraria exatamente o que foi dito no filme: quando o homem passa a não ser mais dono de suas próprias escolhas, ele deixa de ser um homem (natural, perfeito) e passar a ser uma máquina (brinquedo da sociedade).

“E agora você é outra vítima da sociedade moderna.”

Ao voltar para a sociedade, o filme aponta o principal problema social: o maior erro do ser humano é tentar reabilitar o indivíduo, não a sociedade em si. Alex, ao ser reintegrado, passar por maus bocados: ao dar esmola para um velho senhor, é espancado pelos mendigos por antigamente bater em velhos; seus amigos de gangue do passado agora são policiais e fazem uso desse poder para subjugar os outros, humilhando-os; a única pessoa que lhe é caridosa (por motivos torpes – ajuda o partido de oposição do governo), um velho escritor (provavelmente tem um namorado jovem e musculoso), o reconhece e tenta matá-lo (no passado, Alex estuprou e matou sua mulher), trancando Alex num quarto com o volume máximo da 9ª sinfonia de Beethoven. No final, ele tenta se matar pulando da janela do quarto, mas sobrevive. Durante a sua recuperação física, psicologicamente recuperaria do projeto Ludovico, no qual ele receberá o amparo do ministro com um emprego fácil e um bom salário. Tudo isso porque a mídia delatou os pesquisadores e mostraram como a lavagem cerebral não é eficiente. Acredito que o maior objetivo de Kubrick é mostrar como a sociedade age: olho por olho, dente por dente.

“É engraçado como as cores da vida só parecem reais quando você as videia em uma tela.”

2 comentários:

  1. O Post é bastante simbólico, as palavras estão muito bem articuladas e o conteúdo da idéia é o melhor que já li na internet. Parabéns, tanto os tópicos quanto o texto em si nos remete as cenas do filme, e até mesmo quem nunca assistiu Laranja Mecânica terá curiosidade devido aos seus comentários.

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  2. Gravei esse filme há uns meses, quando em mais uma das trocentas exibições pelo TCM, me senti curioso por vê-lo, mas nunca tenho "coragem", rs. Pois bem... tratarei de fazê-lo agora.

    Belo post, Paulo. Abraço!

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