Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.
É um filme brasileiro lançado em 2002 pelo diretor Fernando Meirelles. É baseado em fatos reais e a história surgiu do livro homônimo de Paulo Lins. Foi eleito um dos 100 melhores filmes do mundo pela revista Time e participou e ganhou prêmio nos Festivais do Peru, Uruguai, Filipina, Cartagena (Colômbia), Havana (Cuba), Guadalajara (México), Marraketh (Marrocos), Santo Domingo (República Dominicana) e Palic (Yugoslávia). Foi seleção oficial do Cannes, também foi eleito pela AFI Fest o “melhor filme aclamado pelo público” e ganhou os prêmios da SECS, ABC e APCA. Ganhou BAFTA pela “melhor edição”. Da British Independent Film Awards, Satellite Awards e NYFCC Awards levou o “melhor filme estrangeiro”. Pela Showest levou o “melhor diretor internacional”. No Grande Prêmio Cinema Brasil levou o “melhor filme”, “melhor diretor”, “melhor roteiro adaptado”, “melhor fotografia”, “melhor montagem” e “melhor som”. Daniel Rezende foi o editor mais jovem a ser indicado ao Oscar.
“O sol é para todos. A praia é para quem merece.”
O filme é altamente inovador, principalmente quando se tem como meio o cinema do Brasil. Muitos dos atores do filme, na verdade são moradores de favelas cariocas que participaram de escolas de teatro criadas para a população carente. Muitas vezes, a imagem do filme nos remete ao western (faroeste norte-americano) pela tensão, selvageria e a falta de lei. As cenas são de impacto, mostrando uma violência que vem de dentro da favela e se expande para fora. Isso faz com que o público seja enfurecido e seduzido ao mesmo tempo pelo filme. A sexualidade é bastante explorada como se todos os atos do filme fossem naturais (estupros, prostituição, posições sexuais polêmicas, etc), mostrando a quebra de muitos tabus da sociedade atual. A estética do filme é pós-modernista trazendo padrões clássicos da narrativa (envolvimento do espectador com o filme) e elementos do cinema de vanguarda (fragmentação temporal e montagem dinâmica). O filme tem o formato “circular” por ele terminar a história com o começo dela. Esses aspectos técnicos e o humor “negro” e pesado faz Meirelles se parecer com o diretor Quentin Tarantino.
“Parece até mensagem de Deus. Se liga, mané. Honestidade não compensa.”
Antes de falar sobre o filme, devo passar um panorama de o que é a Cidade de Deus. É uma comunidade criada nos 60 pelo Estado da Guanabara (Estado do Rio de Janeiro, atualmente) com o intuito de erradicar as favelas da antiga capital do Brasil e transferir a população carente para um lugar com infra-estrutura básica e qualidade de vida melhor que as da favela. Bonito da idéia, mas ficou tudo no papel. No começo não tinha luz, não tinha asfalto e não tinha ônibus (mesmo com a comunidade sendo bem distante da capital). A população empobreceu mais e a violência explodiu. A “imprensa marrom” (vulgo órgão sensacionalista) usou e abusou dos eventos sangrentos que aconteciam por lá e a polícia vivia em busca apenas do lucro pessoal (ficando com as coisas que os ladrões roubavam e até mesmo matando, se for necessário) minimizando, assim, o valor da vida de um cidadão da Cidade de Deus.
“Criança? Eu fumo, eu cheiro, já matei e já roubei. Sou sujeito homem.”
O filme conta a formação de uma Boca de Fumo. Começou com uma senhora viúva dando drogas para molecada em troca de sexo e terminou como a sede de um dos maiores traficantes da comunidade. Mostra também o caminho da droga (desde o fornecedor até o comprador), no qual se encontra várias ironias. O fornecedor entrega para o traficante, que passa para a “equipe de montagem”, no qual se “emprega” várias pessoas e depois volta para o traficante que vende para alguém que tenha coragem de subir na favela (a maioria é classe média). De certa forma, esse caminho tem até plano de carreira, no qual você pode ser “aviãozinho”, “olheiro”, “chefe da Boca”, entre outros. A polícia também faz a sua parte: recebe uma parte do lucro e não perturba o sistema.
“Dadinho é o caralho. Meu nome é Zé Pequeno, porra.”
Dadinho é um psicopata que desde criança tem sede por matar. Num terreiro de candomblé ganhou o nome de “Zé Pequeno” e um cordão que lhe daria todo o poder que desejava, mas com a única condição de nunca tirar e cordão e nunca transar enquanto usar o cordão. Ele transou, perdeu o dinheiro e o poder e morreu, mostrando que o filme tem certa ligação sarcástica com o “espiritual” (sem contar as várias vezes que o filme fez uma mencionou o destino). Ele tinha um companheiro desde a sua infância que se chamava Bedé e era o mais responsável pela boca. No momento em que Bedé resolveu sair da vida de traficante ele enlouquece e acaba se tornando responsável pela morte de seu melhor amigo.
“Ai, tiro no pé ou na mão? Escolhe, moleque.”
Apesar de parecer que não, a favela se tornou um ambiente mais seguro com Zé Pequeno no poder. Havia menos assaltos, estupros, assassinatos e ter alguém no poder davam à população um sentimento de segurança. O problema começou a surgir quando nasceu o grupo de “moleques caixa baixa”, responsável por roubar dentro da favela incansavelmente, levando a polícia a invadir o local e trazer de volta a insegurança para todos que lá moravam. Zé Pequeno conseguiu arruar o grupo e segurar dois moleques. Um deles levou um tiro no pé e ao outro foi dado a sentença de morte. Isso foi o suficiente para dispersar o grupo por algum tempo. Eles voltaram quando Zé Pequeno começou a recrutar pessoas para a guerra do tráfico. Com a perda de Zé Pequeno e a prisão do oponente, esse grupinho matou o antigo “rei” da favela e sobe no poder no final do filme.
“A parada era entre o bonitão do bem e o feioso do mal.”
Buscapé é o outro protagonista do filme e foi o único a não se render ao caminho da violência e das drogas. Estudou e trabalhou para conseguir uma câmera (seu sonho era ser fotógrafo jornalístico), apesar de ser o mais desafortunado (era o que menos tinha dinheiro e nunca arranjava uma mulher). No final, teve um papel importantíssimo ao conseguir fotografar a vida dentro da favela, o confronto entre as duas facções do tráfico e a corrupção dos policiais. Cansado de ser perseguido e viver com medo, preferiu publicar apenas as fotos de Zé pequeno e outros traficantes (que já haviam sido mortos ou presos), deixando a corrupção da polícia de lado.
No final, uma frase dita por Zé Pequeno marca bem a narração do filme:
“Quem cria cobra é picado, morou?”
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