terça-feira, 16 de março de 2010

O Leitor


Atenção: O filme é comentado do início ao fim, podendo conter spolier.

The Reader

Filme alemão/estadunidense de 2008, baseado no livro homônimo de Bernhard Schlink, que tem como história um amor de verão que marcou durante toda uma vida. A atriz Kate Winslet levou o Oscar, BAFTA, SAG e Critic’s Choise Awards de “melhor atriz” e o Globo de Ouro de “melhor atriz coadjuvante” pelo filme. Stephen Daldry é o diretor do filme e obteve a façanha de tornar um roteiro melancólico e de certa forma já bem batido (por ser MAIS uma história sobre o Holocausto) num verdadeiro romance que não se tornou piegas ou cansativo.

“Segredo é um elemento essencial na literatura ocidental.”

Antes de falar sobre o filme, quero chamar atenção sobre um detalhe: o título. Em original, ele se chama “The Reader” que pode tanto ser “O leitor” como “A Leitora”, me fazendo pensar se no filme, o título se refere à quem realmente lê ou a quem admira essa leitura, devorando através da história contada os mundos que a literatura lhe oferece.

“Vamos inverter a ordem: primeiro você lê para mim. Depois faremos amor.”

Hannah é uma mulher de 36 que leva uma vida bem rústica e simples. Michael é um adolescente de 15 anos, ingênuo e sem forte ligação com a família. Conhecendo-se por acaso, começam a se relacionar aos poucos. Hannah faz o papel de mulher experiente, iniciando o garoto no mundo sexual, experimentando, também, novas sensações. O relacionamento não era somente sexo, fazendo com que os dois se aproximem e percebam uma coisa em comum: os dois adoram as histórias da literatura ocidental. Enquanto Hannah ouvia e elogiava o Michael pelas leituras, ele se tornava um garoto cada vez mais confiante e seguro de si. Num momento do filme eles chegam a fazer uma viagem juntos, mostrando o quanto o relacionamento entre eles é sério. Apesar de toda essa intensidade, o relacionamento era bastante frio e seco, beirando a grosseria. Mas era o jeito de ser que eles tinham. Mais pra frente, quando se percebe que o relacionamento se torna cada vez mais sério e cobranças surgem, Hannah desaparece. E fica sumida assim por um longo tempo.

“As sociedades pensam que funcionam através de conceitos morais, mas não. Elas funcionam através do que se chama LEI.”

O reencontro dos dois acontece quando o Michael é um estudante de direito e está num julgamento de nazistas e Hannah é uma das nazistas julgadas. A decepção dele se torna insuportável e a covardia dele em meio à situação se torna absurda. Hannah tinha recebido uma promoção no seu emprego, mas preferiu trabalhar como guarda da SS, talvez para fugir do amor adolescente que a tirava do controle. Em certo momento do julgamento, ela é obrigada a escrever algo. Ela prefere levar a culpa do que escrever, fazendo com que Michael finalmente entenda a peça que faltava: Hannah é analfabeta. Para evitar uma humilhação generalizada, ela preferiu tomar um castigo bem mais pesado. Nesse momento, Michael preferiu não contar nada a ninguém, e pelo que entendi, foi por dois motivos: a própria reputação (afinal, ter um caso com uma nazista condenada bem mais velha não é bem visto) e o fato de que se a própria Hannah preferiu esconder o fato de não saber ler, quem era ele para mudar isso? Isso pode tornar o ato entendível, mas não justificado. Nesse momento, os dois selaram grande parte da vida deles. Um seria distante de tudo e de todos por um longo tempo e a outra não poderia mais ter o contato com o mundo. Nem pela literatura.

“Quanto mais eu sofro, mais eu amo. O perigo só fará crescer o meu amor. Ele o afiará, perdoará o preconceito.”

No julgamento de Hannah, houve um fato interessante. Ela como guarda, obrigava a algumas prisioneiras (em geral, fracas e doentes) a lerem para ela. É perceptível a analogia disso com as leituras de um Michael fraco, jovem e doente que ela conheceu. Talvez seja o amor que ela sentia pelo Michael direcionado nessas jovens moças. O que assusta é saber que logo depois, ela as mandava para a morte. Talvez sendo também uma analogia de como ela queria se livrar desse amor. Sua mente simplista foi a principal responsável pela sua condenação. Por achar que tava apenas fazendo seu trabalho, não pensou na vida daquelas moças. Michael, em meio turbilhão de sentimentos, tendo que encarar o seu primeiro amor como uma assassina de 300 mulheres, conseguiu deixar um pouco de sua covardia de lado e começou a enviar fitas com a voz dele gravada contando as histórias de várias literaturas para Hannah. Nesse momento, é visível como eles começam a se perdoar: ele por não ter ajudado Hannah quando pôde e ela, por saber que alguém ainda pensava nela e a amava.

“Não importa o que eu sinto. Não importa o que eu penso. Os mortos continuam mortos.”

Com essa frase, Hannah define a sua vida. Sabendo que ela não seria bem vinda ao mundo exterior à cadeia nem pelo próprio Michael, em vez dela sair, ela se matou, pedindo para que ele doe todo o dinheiro que ela tinha guardado à mulher que a processou e a colocou na cadeia, com um pedido de perdão. Michael, apesar de todo seu medo, tinha arranjado um emprego e um apartamento para Hannah, mesmo sem saber se iria realmente perdoá-la. Apesar do choque de saber que Hannah havia morrido, talvez somente assim, ele conseguiu se desprender de um amor que, temporalmente, não havia durado muito, mas que psicologicamente o marcou por toda sua vida. Assim, conseguiu se aproximar sua filha (de um casamento que não deu certo), ao contar a história de Hannah para ela.

Por fim, é interessante ver o ponto de vista da sobrevivente que processou Hannah. Mesmo com Hannah morta e o dinheiro que recebeu da mesma, ela não a perdoa de seus atos. Mesmo sabendo que ela não era inteiramente culpada pelo que aconteceu, isso não significava que ela era inocente. No fim das contas, ela não aceita o dinheiro para ela mesma, aceitando que ele seja doado em nome de Hannah para um instituto de analfabetizados.

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